11/02/2017

MEMÓRIAS DE UMA MÃE EM CONSTRUÇÃO #9

Algures entre 4 e 8 de Agosto


Medo. Era este o estado de espirito que me corria pelo corpo. Medo de não conseguir. Medo de falhar. Medo. Sei lá eu, apenas medo. Mas a vida não se compadece com medos e era preciso vestir a capa de super heroína de alguidar e encher a boca para que todos conseguissem ouvir : "Vai correr bem. Tem de correr bem. Vamos conseguir".
A vida lá fora mantinha-se a mesma. As praias da linha continuavam apinhadas de gente. O meu malhão já me deixava saudades. A minha FIOAPAVIO tinha de continuar a ser a marca despretensiosa que sempre foi. As mensagens tinham de ser respondidas e as peças criadas. O medo ficava nas minhas orações e nos pensamentos que habitavam cada célula do meu corpo. No fundo inspirava medo e expirava confiança. Até quando?

8 de Agosto foi o dia em que as injeções que tínhamos encomendado, chegaram. Abri a caixa, sozinha, não porque o João não queria estar presente, mas porque eu precisava de me confrontar com os medos. Olhei para aquele objeto de ar inocente com o qual já me havia cruzado na clinica. Nada de novo. Falso. Era tudo novo pois agora estava sozinha com os meus traumas e um objeto do qual sempre fugi.
Recorri àquela que é a ferramenta de busca do século XXI – o Google e os seus maravilhosos tutoriais. Quase que deu vontade de rir: eu, Sara, a ver filmes de pessoas a injetarem-se. Vi e revi. Simples. Tão simples quanto assustador.
Agora só me restava esperar pelo primeiro dia da menstruação para colocar à prova os meus parcos conhecimentos e, não menos importante, a minha coragem.



16 de Agosto


O que dia mais desejado por nós finalmente tinha chegado. Todos os medos acumulados, todas as questões que me fui colocando naqueles dias culminavam naquele momento… seria eu capaz de dar injeções a mim própria?
Uma grande amiga, daquele trio que esteve sempre presente mesmo quando eu as afastava com os meus silêncios (em breve falarei deste núcleo duro que esteve sempre lá) dizia-me “visualiza, visualiza tudo, a dares as injeções, gravida, a passeares junto ao mar com o teu bebe (na altura ninguém pensava em gémeos)”. E foram sempre estas imagens que me acompanharam desde o primeiro momento. Isso e a fé, as orações que repeti vezes sem conta até adormecer...
Combinámos desde logo que escolheríamos uma hora que permitisse ao João acompanhar-me neste processo, pois podia sentir-me mal… era o mais expectável dado o meu histórico. Retirei a caneta do frigorífico 15 minutos antes da hora, para que ficasse à temperatura ambiente, voltei a ver o esquema que a acompanha. Preparei o algodão com o álcool para limpar a zona onde me iria injetar… o João perguntou-me se queria que ele estivesse ao pé de mim. Preferi que não e fui para o quarto, para depois da injeção deitar-me e repousar um pouco como é indicado. Combinámos então que mal eu tivesse dado a injeção o chamaria. Cheguei ao quarto e sentei-me pertinho da mesa-de-cabeceira onde coloquei todos os meus novos companheiros de missão. E neste momento entrei em nodo automático… mal dei por mim já tinha a caneta na mão a penetrar-me a pele, indolor… fechei os olhos contei até 10 para que tivesse a certeza de que todo o líquido tinha penetrado o meu corpo. Retirei a caneta pressionei de novo com o algodão e deitei-me. Chamei o João, que veio de imediato e me deu um beijinho na barriga mesmo no local onde eu acabara de espetar. Este passou a ser o nosso ritual… creio que de todas as injeções que dei apenas uma ou duas não contaram com este ritual de amor que criámos, por impossibilidades profissionais. Era o equilíbrio perfeito entra a ciência e o afeto.
Já estava. A primeira de muitas que se seguiriam. A primeira conquista. O primeiro sinal de que os sonhos verdadeiramente grandes transcendem qualquer trauma que se tenha.


Believe! Acreditar, sempre!





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