26/09/2014

A ESCOLA QUE ME ENSINOU A ACEITAR A DIFERENÇA

Ontem fiz uma viagem ao passado enquanto assistia a um qualquer telejornal da televisão. A notícia estava relacionada com a falta de professores na escola Secundaria António Arroio. E a minha viagem começou ali…
Tinha 12 anos, e como era hábito, a hora de jantar era o momento em que falávamos sobre como tinha corrido o nosso dia e contávamos todas as novidades. Nesse dia enchi-me de coragem e disse aos meus pais que gostava de mudar de escola. Não era mudar para a escola 100 metros acima da actual, não era mudar de escola para uma na freguesia do lado. Não. Não era nada disso. Era mudar para uma escola em Lisboa (eu vivia na periferia de Lisboa). Mas também não era uma escola qualquer era a ANTÓNIO ARROIO.  Uma professora tinha-me dito que tinha o perfil certo para me aventurar naquela escola, que estava talhada para artes e que era ali que tudo acontecia. Na minha cabeça eu visualizei um espaço tipo “Fame” (a série que fascinava qualquer pré adolescente da altura) e era esse o espaço que eu estava a descrever aos meus pais naquele jantar. Recordo-me que o meu pai me disse: “ depois falamos nisso” e eu fiquei ali em suspense. Dias mais tarde A conversa. Mais uma conversa sobre responsabilidade, sobre os perigos que aquela mudança iria produzir na minha vida, que teria de acordar às 6,30 da manha todos os dias, que teria de apanhar 3 transportes diferentes, que apanharia chuva e frio,… o cenário era o pior dos piores e ainda assim eu mantinha-me fiel ao meu desejo. Por ultimo o meu pai proferiu o argumento final: vais para a António Arroio para que um dia não digas que foram os teus pais a impedirem-te de sonhar mas as notas, essas têm de se manter boas. E começou ali uma grande aventura.
Vivi em terror nesse verão. A pensar que ia partir para o desconhecido, onde tudo era novo e diferente, onde não havia nada nem ninguém que me ajudasse. Fiz tudo sozinha (com a supervisão distante de uns pais que sempre me ensinaram a ser responsável). Inscrevi-me, procurei os melhores transportes, percebi a que horas tinha de acordar para estar às 8 nas aulas… fi-lo cheia de medo de falhar.
O primeiro dia foi fatal… fui praxada! Cortaram-me o cabelo, encheram-me de vinagre  (ainda hoje carrego essa memoria olfactiva) e guaches da Pelikan mas regressei a casa orgulhosa das minhas pinturas de guerra. Era o primeiro dia dos 4 anos que lá andei. Quatro anos de vivências que só quem ali andou entende.  É complicado para qualquer "Arroiano" explicar o que tinha aquela escola de diferente das outras em concreto, mas havia uma estranha cumplicidade criativa entre alunos, docentes e até o pessoal auxiliar. Mesmo à revelia das normas existia um direito à diferença tão enraizado e natural que não se dava pela "diferença" e essa maneira de estar, de viver a escola como um espaço de criação, será provavelmente o factor que mais marcou a António Arroio e quem por lá passou naquela altura.
Foram anos de aprendizagem diária, as tardes a pintar paredes na "Alameda das Ganzas" (local mítico e rodeado das mais mirabolantes historias), os cafés prolongados e os jogos de cartas no Louvre, o muro que voltámos a pintar com desenhos coloridos mesmo depois da camara o ter pintado de branco, as manifestações que realizamos contra a PGA e contra o facto das instalações onde estávamos serem de 1963 e não darem garantias de segurança nos anos 80, a passadeira de peões que pintamos directamente do portão da escola em direcção ao Louvre, as horas sentados no chão da escola a conversar sobre tudo e sobre nada,… tudo isto e muito mais fizeram de mim uma pessoa muito melhor.
Esta escola, onde existiam rusgas de cães polícia semanalmente em busca de droga, fez-me aceitar a diferença. Fez-me aceitar o diferente e ter orgulho no mesmo. Sem nunca ter experimentado drogas, sem nunca me ter embebedado, sem nunca ter fumado, sempre me senti integrada. Sempre pertenci ao todo que era aquela escola.

Há coisa de trinta anos, um aluno qualquer armado em artista, subiu a um escadote e pintou espontaneamente sobre a porta principal da escola um AMO-TE com um "A" de anarca, e o graffiti ali ficou, resistindo a obras remodelações e reconfigurações. Acham isto normal? É claro que não. A António Arroio não é uma escola normal!

Projecto inicial de 1963

O spot mais frequentado da escola - a entrada. E o eterno AMO-TE na fachada principal!

A famosa/temida/intrigante alameda das ganzas


O autocolante de uma das campanhas para a associação de estudantes

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