19/08/2014

HAVIA O MALHÃO E AGORA HÁ UM MALHÃO

 A praia do Malhão sempre foi a praia dos meus encantos. Ainda criança os meus pais optavam pela praia do Almograve ou do Farol, Vila Nova de Milfontes, por razões óbvias pois são praias com melhores acessos e aparentemente mais seguras para quem tem crianças. Mas o Malhão sempre teve o seu encanto. Era uma verdadeira aventura andar por cima de dunas e estradas raramente usadas (aqui contava com a cumplicidade de um tio que partiu cedo de mais e que adorava uma boa aventura). Chegados à praia era ver mantas alentejanas estendidas, tachos envoltos em papel de jornal para manter o quente e homens/mulheres vestidos de alto a baixo como se fossem para a feira. Esta é a primeira recordação do meu Malhão. Um Malhão quase deserto de uma beleza ímpar. Um Malhão que era vivido por todos de forma diferente.
Alguns anos passaram e as idas a esta praia não se tornaram mais frequentes mas a nossa insistência (minha  e dos filhos dos amigos que passavam ferias connosco) passou a ser mais frequente. Adorávamos aquela sensação de liberdade que o vasto areal nos proporcionava. Acrescido ao facto de que diziam os mais antigos que aquela praia era a que queimava mais, aquela cujo bronzeado era mais duradouro... mito ou não a verdade é que todos me gabam o bronze, mas isso são outros quinhentos (agora deveria dizer euros?!?!)
As pessoas conheciam-se... ali ano após ano assistíamos ao crescimento dos mais novos, ao envelhecimento dos mais velhos. Havia tempo para nos observarmos, para nos interessarmos pelo que acontecia de novo de ano para ano. E num ano desses surgiram as casinhas de madeira. Que encanto foi encontrar aquelas construções ali em terreno virgem. E a paisagem transformou-se. Aquele conjunto de tábuas corridas pintadas rapidamente passaram a fazer parte das nossas historias, das nossas brincadeiras, eram alvo de cobiça de toda a criançada.
Eu cresci. A casinha de madeira mudou. Perdeu o seu ar rústico/pitoresco e ganhou um ar mais californiano. Comecei a vê-la com mais regularidade pois a pressão que fazíamos em casa para ir mais vezes àquela praia era tão intenso que não havia como não ceder.
Deixei de brincar na casinha de madeira mas olhá-la, observá-la, sentir que era testemunha de momentos tão felizes dava-me uma paz inacreditável.
Assistia a novas gerações a apoderarem-se daquela casinha apaixonante e cativante com um sorriso nos lábios. Tantas gerações que partilharam este encanto por uma casinha que ninguém sabia de quem era ou porque razão existia (na verdade quando passou a ser uma casinha mais fashion a idade já nos permitia saber que servia de abrigo a escolas de surf).
Um dia cheguei à praia e a casinha de madeira tinha ardido... fiquei com uma sensação de vazio. A paisagem estava alterada. Aqueles ângulos e arestas faziam falta ali. As madeiras tinham ardido mas as recordações essas mantinham-se vivas na minha memória.
Este ano devolveram à praia do Malhão uma nova casinha de madeira. Chique e cheia de bom ar. Mais uma vez o albergue de escolas de surf mas não me apaixonou. O encanto das historias vividas e partilhadas não foi reavivado. É apenas mais uma casinha de madeira como tantas outras que por aí se encontram. Na verdade a chegada deste novo objecto a uma praia que conheço há 39 anos fez com que percebesse que este já não é Malhão da minha infância, da minha adolescência. Este Malhão transformou-se e começa a perder encanto (aos poucos e muito lentamente... muito mesmo). As pessoas que frequentam a praia são as mesmas pessoas que encontramos no Guincho ou na Comporta, usam todas os bikinis da moda, as toalhas xpto, e têm todas filhos começados pela mesma letra e que insistem em tratar por você dando ares de boa educação (mesmo que depois digam e cometam as maiores barbaridades no que diz respeito a boas maneiras). Este malhão fica confuso em dias de fim de semana, quando os locais se misturam com esta nova invasão dos citadinos. Fica incaracterístico. E a praia fica dividida em duas. O nadador salvador (outra modernice que veio em boa hora) fica ali no meio a mediar entre o lado da praia (quando se chega) onde os locais se instalam e o outro lado (o situado mais longe da chegada) onde ficam as Constanças e os Bernardos. E eu onde fico? Tem dias. A verdade é que tem dias...

Este ano percebi que a minha praia do Malhão já não é o meu Malhão e que aos poucos (mais rapidamente do que desejaria) se está a converter num malhão qualquer. Porem na minha memoria, no meu coração guardarei para sempre a sensação de liberdade que ali vivi. Na minha memoria aquela casinha será eternamente de madeira e nela habitarão sempre sonhos e desejos de criança.





4 comentários:

  1. Eu sinto isso com a praia de Buarcos, na Figueira da Foz. Foi lá que passei a minha infância.

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  2. Tão lindo e carregado de "sentires", este texto.
    Acontece com muitos locais que povoaram a nossa infância e que agora, não parecem mais aquilo que foram.
    Para mim, em termos de praias, acontece com a de São Pedro, que hoje em dia quase já nem areia tem.

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    Respostas
    1. Nós mudamos.Os locais mudam. Porém as memórias perduram e são essas que nos fazem companhia em momentos menos bons. Sou muito feliz no "meu" malhão <3

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