25/07/2014

SE EU SOUBESSE ESCREVER AVÓ...

Se eu soubesse escrever avó, conseguiria descrever o momento em que o telefone tocou e o meu coração ficou suspenso. O momento em que tu minha avó deixaste o mundo terreno e seguiste o teu caminho rumo ao descanso eterno. Em que foste ao encontro de um avô que nunca me teve como neta (pois não me conheceu) mas com quem eu converso desde sempre e que amo desta forma imperfeita que é a minha.


Se eu soubesse escrever avó descreveria o beijo que te dei, ainda com a pele quentinha, mal cheguei ao pé de ti. Saberia falar daquele momento em que o coração não aceitava aquilo que a cabeça já sabia e já esperava. Saberia falar do egoísmo de te ter ali para mim mais um bocadinho.

Se eu soubesse escrever avó falaria do quanto estavas bonita com o teu olhar sereno, com a roupa que levaste ao meu casamento, os mesmos brincos, o mesmo fatinho azul-escuro com bolinhas brancas. Bonita. Tão bonita. Com o colar de pérolas e um anjo da guarda que te ofereci naquele dia no hospital. No mesmo dia em que fizemos uma selfie. A mesma roupa que usaste num dos dias mais felizes das nossas vidas, no dia em que ganhaste um neto. No dia em que ele ganhou uma avó.

Se eu soubesse escrever avó falaria do amor que reservaste para os homens da minha vida. De tudo o que fizeste pelo meu pai, mimando-o e ouvindo durante muitos anos que o terias tornado no teu filho favorito. Paguei eu por isso. Nunca to disse. Chorei calada. Fui sempre vítima de ser a filha do filho favorito mas sabes minha avó aprendi a viver com isso. Depois recebeste o João como neto, amaste-o como se fosse do nosso sangue. E ele retribuiu esse amor. E eu testemunhei sempre esse vosso amor. Cúmplice e sem ciúme.

Se eu soubesse escrever avó conseguiria descrever o momento em que te beijei e já não havia temperatura. O momento em que senti que deveria ligar todos os aquecedores do mundo, trazer todos os casacos, para te manter quentinha. Já era tarde. O momento em que peguei no envelope que dizia “para levar para a cova no momento da minha morte” e vi tudo o que escolheste durante muito tempo para te fazer companhia nesta viagem. O envelope que continha o teu passado, estavam todos ali: família, anjos, arcanjos, nossa senhora de Fátima e a carta…. A carta avó. A carta que me foi negada por muitos anos. A carta que sempre quis ler e que nunca ninguém o permitiu. A carta do suicídio do avô. Até aqui neste momento foste sábia, decidiste levar como companheiro da tua viagem o teu passado, deixando o presente e o futuro a nosso cargo.

Se eu soubesse escrever minha avó saberia colocar em palavras todo o carinho que recebemos nestes últimos dias. Amigos de várias gerações que se juntaram e que nos deram a força que teimava em fugir. Não contávamos com a sua presença mas a verdade é que tornaram tudo mais suportável. Estiveram ali. Connosco. Em partilha. Sem desculpas, sem argumentos fúteis. Estiveram ali connosco e para nós. E até rimos avó. Rimos e eu sei que tu também sorririas porque tinhas sentido de humor.

Se eu soubesse escrever avó saberia falar sobre a saudade que já se apoderou de mim. Deste sentimento, que tento combater, de que não foste só, de que levaste contigo o meu avô. Minha avó eras a única que me falava dele, que me dizia que era a mais parecida com ele, a única me dizia que seria a sua favorita pois éramos iguais. E eu teria gostado de ser a favorita pelo menos uma vez.

Mas sabes avó há uma coisa que eu sei escrever. Sei escrever que te amo e que viverás sempre dentro de mim com a mesma intensidade.


Olha por nós minha avó. Olha pelo teu menino que sofre de forma calada. Tu sabes como ele é, de lágrima fácil mas quando se trata dos seus sentimentos, guarda tudo para ele. Ajuda-me a protege-lo pois é tanto meu quanto teu. O meu pai. 

Não me esqueças avozinha! Não o esqueças! Nós jamais te esqueceremos!




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